No 24 de agosto fomos pretigiar o IC - Encontros de artes, realizado pelo grupo Dimenti e tivemos o enorme prazer de assistir ao espetáculo paulista "Peça para adultos feita por crianças", com a direção de Elisa Otake. A peça nos causou muitas emoções, sobretudo porque nos identificamos muito com a visão da infância e da vida que o espetáculo defende.
Marconi Arap, diretor do Teca, escreveu algumas palavras para traduzir, ao menos um pouquinho, a beleza do evento.
"Peça para adultos feita por crianças" é um dos maiores acontecimentos teatrais que tive a felicidade de presenciar.
Primeiro porque traz como mote principal nada menos que o Hamlet, peça shakeaspereana que é considerada pelos eruditos de todas as áreas a sua melhor peça e uma das maiores expressões do gênio humano.
Outra coisa a destacar a competência na condução do elenco de pre-adolescentes. Eu não tenho maiores informações, mas é dito no espetáculo que o processo criativo levou 1 ano e meio e, como professor de crianças e adolescentes, fico imaginando como deve ter sido rico esse período, porque está claro no resultado o caráter processual do espetáculo.
Toda a complexidade de um personagem que tem a dúvida como ação, como verbo conducente para uma faixa etária de pessoas que em sua maioria prefere gastar grande parte do seu tempo consumindo youtubers consumistas e idiotizantes, que cagam regras na rede social sem ter sequer tido ideia de visitar outros pensamentos, menos ainda se autoprovocarem tentando compreender o contraditório ou ainda atentar por um vocabulário mínimo em que se note ausências de expressões tais como "tipo", "por causo que" ou emojis que traduzam um sentimento mais complexo, é mesmo impressionante.
O elenco absolutamente imerso em cena, pleno de teatralidades e emoções pessoais relacionadas à recepção da obra maestra em si mesmo. Fui as lágrimas pela primeira vez quando a garotinha que aparentava 11 ou 12 anos (não consegui fixar o nome do elenco) demonstra como ela dança o Hamlet... d'uma delicadeza...! Movimentos minimalistas com os braços e dedos e eu fiquei pensando em qual passagem ou situações de espírito selecionadas a fizeram optar por aquela forma linda, máxima, última - do Hamlet.
Outro momento é o do ator que aparenta mais idade (não mais que 15 ou 16 anos) disse que desejava ao personagem, com grande compaixão e afeto (como se um dia ele houvesse existido)... que desejava ao Hamlet "o seu grupo de teatro". Nesse momento eu quase morri. Quem tem a experiência de se irmanar com pessoas num grupo de teatro, que tem nesse grupo o lugar para ser você mesmo, sem máscaras, sem medos, receios, julgamentos e culpa... sabe a extensão do que é desejar para alguém querido e digno de compaixão que essa pessoa pudesse desfrutar do seu grupo de teatro.
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Lágrimas copiosas. Segurei a onda porque sou desses que tem vergonha de mostrar que se emociona. Babaquice que ainda não superei fruto de uma educação machista, misógina e militar. Mas admito que estive banhado em lágrimas por dentro, na alma, no coração.
Saí do teatro atônito, sem saber ainda o que havia me atingido e talvez um tiquinho angustiado.
Sabia que encontrara a minha turma. Os reconheci como meus e eu deles, da diretora, do processo. A gente fica assim quando se identifica, né? É bom saber que o teatro que desenvolvemos na sala com nossos alunos e nos palcos profissionalmente não está isolado do mundo e que temos gentes parecida conosco.
Saí do ICBA muito mais transumano, me sentindo cada dia menos antropocêntrico e louco pra propor bololô nas minhas turmas e na minha vida (noções de cunho acadêmico e científico propostas pela peça. Que não passam de brincadeira, lógico! Mas que, se levadas a sério podem revolucionar nossas vidas presentes e futuras).
Teatro para a juventude pode e deve ser obra de arte contundente e de grande valor. Há que trazer esse público de volta aos teatros. Há que se iniciar a revolução humana por aí. Sempre foi por aí. E o teatro sempre foi o terreno propício para dar inicio a elas. Há 2500 anos é assim. Vamos ao teatro! Lugar de empatia, debate de ideias, de convivência e de harmonia entre as diferenças.